A Muralha das Sombras Eternas
A Muralha das Sombras Eternas

 

 

Começou com uma briga de vizinhos cismados. Seu José, um tipo que a cidade inteira de Capibaribe aprendera a detestar, implicou com a mangueira de Seu Américo, cujas galhadas fartas avançavam sobre o muro fazendo-lhe sombra.

            - Não quero sombra que seja sua. Não quero nada seu que avance sobre o meu quintal. E também não quero seu olhar e nem o olhar de mais ninguém! – E começou, após essa intervenção, a erguer o seu muro cada vez mais alto.

            Seu José era detestado pelas intrigas que criava, pela má educação, pelo seu jeito sempre ranzinza pontuado por todo tipo de descortesia. Algumas sociedades unem-se para eleger tipos odiados e amados. O homem foi escolhido para preencher o primeiro grupo. Viúvo sistemático e vivendo sozinho, de origem estranha e bizarra, tido como partidário de atividades do oculto, logo começou a erguer aquela alta barreira. Ninguém ligou muito para as primeiras quatro ou cinco fileiras de tijolos. O muro era feio, bruto, mal acabado como a cara de Seu José, mas era apenas isso: uma parede feia.

            Depois de alguns dias, Seu José lacrou seu portão com tijolos ficando preso lá dentro e ninguém mais podia vê-lo. O muro já alcançava o dobro da altura das casas circunvizinhas e começou a preocupar:

            - Mal feito desse jeito, todo remendado, vai cair e fazer estrago.

            Exigiram da prefeitura alguma providência. Um fiscal foi até a casa, mas não havia jeito de notificar o proprietário. O homem se trancara de vez no interior da propriedade. Acabou tendo a idéia de subir por uma longa e insegura escada e assim o fez. Chegando ao topo, olhou para dentro e a última coisa que ouviram dele, os que lá embaixo estavam, foi:

 

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            - Minha Nossa Senhora! – Nisso, foi violentamente puxado para o interior enquanto a prancheta de anotações que carregava com papéis do serviço caiu ao solo. Em seguida a escada foi puxada rapidamente para cima sumindo em mistério. O povo ficou com medo. Ninguém mais duvidava da loucura do Seu José e o sumiço do fiscal era agora caso de polícia.

            O delegado em seu jipe, com mais dois soldados, compareceu ao local do sinistro. Bateram onde outrora era o portão e não obtiveram resposta. A esposa do fiscal, chorando e cobrando providências, aumentava a pressão sobre as autoridades.

            - Invasão de domicílio é crime! – Apontou o delegado.

            - Mas quando há um crime em andamento, pode-se entrar. – Respondeu algum entendido da multidão.

            - Não sabemos se há crime, disse o delegado...

            Nisso, lá do alto, vimos sendo lançadas as roupas do fiscal. Logo que caíram ao chão cheias de sangue, a viúva entrou em choro convulsivo e o delegado resolveu agir. A melhor forma é arrebentar com a entrada onde era o portão. Tragam as marretas. A turba se mobiliza ágil quando surge algo de interesse. Tirando os homens do trabalho e as mulheres das prendas domésticas, a porta do Seu José virou atrativo à multidão.

            Voluntários vieram para quebrar o muro e as marretadas estalaram. Batiam e era como se não batessem. A propriedade virara uma fortaleza impenetrável. Os mais fortes homens cansaram de tanto esforço. Outros pontos do muro foram testados e a impossibilidade virou assombro. O muro era impenetrável.

 

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            - Se não dá por baixo, vamos por cima. - Asseverou o delegado. No entanto, como fosse muito tarde e noite adentro, mandaram vir altas escadas e combinaram invasão coletiva no dia seguinte. O sol raiou e o inusitado ganhou vulto. O muro, da noite para o dia, triplicara de tamanho e já sumia da visão sendo impossível de ser escalado por qualquer escada da região. Além de subir, ganhou uma tonalidade arroxeada e inteiriça, como se fosse uma parede só sem a menor divisão, trincado ou rachadura. Bonito de se ver de longe, mas uma temeridade para o povo que traçava cenários macabros.

            - Dinamite! – Bradou alguém e explosivos foram trazidos. Ajeitaram onde era a entrada na ilusão de que fosse mais fácil por ali, isolaram o povo e acionaram a detonação. Muita poeira subiu aos céus demorando séculos para baixar. Para assombro geral, a única coisa que surgiu foi um buraco no chão.

            - Nenhuma rachadura! – Foi o que constataram. O delegado, tirando da cabeça enorme o chapéu que lhe cobria a calvície, não sabia mais o que tentar. O muro não era mais um adversário comum, era uma aberração e coisas assim somente podiam se resolver por questões de fé. O padre, que sempre por ali estivera, foi chamado a benzer. Logo que as primeiras gotículas d´água tocaram as pedras daquela barreira, ouviu-se um estrondo terrível vindo do lado de dentro. Logo depois o muro inteiro tremeu. O povo afastou-se andando de costas. A muralha começou a mover-se, como se fosse a respiração de um enorme ventre, contraindo-se e se expandindo. Os olhares esbugalhados da multidão eram de pavor.

            Após duas ou três contrações, acompanhadas de estrondos colossais, o muro dilatou-se como se fosse vivo avançando vários metros por todos os lados. Derrubou varandas, postes e afastou calçadas. Foi um pandemônio. O povo corria apavorado e a polícia não sabia o que fazer.

            - Deu errado padre. – Falou o delegado puxando para longe o sacerdote pelo braço. E aquela intervenção divina trouxe o caos. O muro foi-se expandindo minuto a minuto. Dilatando-se como uma forma bruta de vida, crescendo na lateral e na vertical, fazendo sombra e demolindo todas as construções à sua volta.

            - Capibaribe não sobreviverá a isso! – Dizia o delegado enquanto o povo preparava a mudança e a fuga para outras terras. Aquela foi uma noite de pânico, fuga e medo. Do interior do muro vinham silvos, urros, gemidos, como se todas as pragas do inferno habitassem seu interior.

Não sobrou saída ao povo senão a fuga assombrada e, da noite para o dia, a cidade virou deserto. Quando o muro se viu só, sem ninguém mais a assombrar, os últimos a abandonar a cidade, ouviram o ecoar de uma grande e pavorosa risada. De longe, da ponta da última curva da estrada, olharam para trás e viram que se desmantelava ruindo ao chão, fazendo subir densa poeira que englobou a cidade inteira e que, até hoje não baixou, envolvendo todo aquele vale na eternidade das sombras...

Autor: Jurandir Araguaia

Nosso Site: www.jurandiraraguaia.com

Nosso Ebook: Sob o Signo do Medo

 

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