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A EXTRAORDINÁRIA ¨RUA DO TORTO¨!
A EXTRAORDINÁRIA ¨RUA DO TORTO¨!

A EXTRAORDINÁRIA ¨RUA DO TORTO¨!

 

Devia me instalar na Rua do Torto.

O endereço era nítido, porém obscura era a procura: todos naquela região sabiam da mesma, me apontavam e, por mais que andasse, não a encontrava. A situação ainda ficava mais bizarra quando alguém me dizia:

- Mas você acabou de passar por ela. Volte. É logo ali!

Olha que umas oito pessoas me disseram isso. Ficava aborrecido, checava as informações e, por mais que andasse naquela cidade centenária, com suas casas coloniais, pintadas de múltiplas cores dando um aspecto de mosaico não encontrava a famigerada rua. Minha mochila de estudante já pesava nas costas. Por que meu pai não comprara a vaga em uma pensão comum. Precisava ser um quartinho na tal rua?

- Fica perto do Campus! Você poderá ir caminhado. Morei na Rua do Torto, dizia ele, e foi uma experiência maravilhosa. Meu vestibular, naqueles idos dos anos 70, duraria 5 dias. A educação física tinha provas práticas e teórica e aquele era um dos melhores Campus do país. Daí a minha escolha da qual já me arrependia. Cansado e já com sede, fui a uma cafeteria próxima. A bizarra decoração parecia ter emergido da cabeça de um decorador psicodélico. Ao contrário da maioria do comércio da região, o estranho estabelecimento apresentava uma coleção exótica de quadros surreais em vários tamanhos e com temas variados. Pessoas que derretiam a um sol de gelo, um arco-íris feito de tijolos sobre um oceano escaldante de corpos, uma mulher bêbada deixando que dos seus seios nus brotassem rios de pérolas. Fiquei constrangido e voltaria para trás, mas uma voz vinda do balcão me tirou da contemplação:

- O que você deseja? – Um homem alto, cabelos compridos grisalhos e com uma fisionomia marcada por uma velhice precoce se encontrava atrás do balcão. Diria ter saído de algum asilo de dementes não fosse pelo avental e pano branco com o qual limpava um balcão de mármore reluzente. Tive a impressão de leve luminosidade cobria-o. Sendo que, após uma respiração mais profunda, respondi:

- Um café simples, por favor! E também uma garrafa da sua melhor mineral!

Acenou com a cabeça enquanto deixei a mochila enorme encostar-se em uma parede sentando-me em uma mesinha de madeira. As mesas circulares possuíam duas cadeiras cada e haviam cinco, estando todas vazias.

O homem trouxe o café, cujo aroma, por si, já me animara. Então, perguntei-lhe:

- Por favor, procuro a Rua do Torto e todas as informações que me dão me levam a lugar algum. O Senhor poderia, por gentileza, me informar como posso encontrar?

Olhou-me profundamente nos olhos. Senti um calafrio percorrer a espinha. Ao que me disse:

- Talvez seja sorte não a ter visto. Quer mesmo ficar por lá?

- Bom, meu pai já adiantou o aluguel por uma semana enquanto presto o Vestibular. Creio que seria necessário.

- Só uma semana?

- Sim, Senhor, não passarei disso.

- E pretende ficar no seu quarto e de lá só sair para o Vestibular e para se alimentar ou outra forte necessidade sem incomodar os demais?

- Sim. Pretendo estudar, mas também precisarei sair para treinar e me alimentar.

- Tome seu café e sua água. Se for justo, você verá a Rua.

 

Sem entender nada, mas lembrando-me da fama estranha do povo daquelas paragens, decidi tomar o café, a água e procurar por uma pensão. Depois, me acertaria com meu pai. O que acontecia é que estava exausto daquilo tudo. Paguei ao homem na cafeteria deserta e caminhei. Juro que podia ouvir alguns quadros sussurrando. Quando cheguei à rua de pedras centenárias, olhei para o outro lado e havia entre duas casas um muro de trepadeiras. Ou eu, de repente, ficara louco ou me aprontavam alguma. As trepadeiras se moveram para o lado e o que pensei ser um muro era, em verdade, um portal. Aproximei-me, pois havia uma placa no alto do mesmo na qual estava escrito:

- Rua do Torto!

Havia um portão de grades de ferro. Aproximei-me. A Rua do Torto era em verdade uma escadaria que descia e formava um ¨U¨, tendo casas em ambos os lados. Todas acinzentadas, contrastando com o colorido do resto da cidade. Voltei-me para ver a cafeteria, porém, estranhamente, a porta havia se fechado. O final da Rua era também uma casa muito alta, com enorme porta de madeira. Pude observar, mesmo daquela distância, que o número era aquele no qual estava destinado a ficar. Deviam haver umas 30 casas, estreitas, altas, parecendo que seus telhados queriam se encontrar projetando-se sobre a mesma não permitindo, qualquer que fosse o horário do dia, que a luz do sol totalmente penetrasse por ali. Era um exagero chamarem de rua. Era um beco com uma escadaria enorme, com degraus irregulares, portas também assimétricas e janelas que lembravam os quadros surreais da cafeteria. Não vi ninguém. Apenas vários gatos. Uma imensidão tomando conta das soleiras das casas. Não sabendo o que fazer, afastei-me dois passos. Nisso, os portões se abriram rangendo de modo agudo denunciando uma ferrugem severa. Olhei para a casa ao final, na qual deveria ficar e sua porta abriu lentamente. Seria obra do vento, do acaso ou da minha imaginação devido ao cansaço de andar um dia inteiro sob um sol quente? Entrei assim mesmo e, ao passo que caminhava, os gatos levantavam suas cabeças e me observavam.

- Oi gatinhos! - Um deles retribuiu com um miau!

 

Subi após a descida e, ao me aproximar da porta uma Senhora muito idosa vestindo um traje de governanta que parecia antigo sorriu:

- Você passou pelos gatos. Isso é bom. Poderá ficar.

Somente sei que foi a semana mais estranha da minha vida. Não vi outra pessoa além de mim e da Senhora naquela estranha casa que era muito maior por dentro do que por fora. Extensos corredores sendo que meus aposentos ficavam no andar de cima tendo vista para a Rua. Confesso que tentei ver outra alma, mas havia somente os gatos e mais nada. Tive as melhores noites de sono da minha vida, com lindas mulheres me cercando e levando à plenitude de prazeres que não sabia existir. Acordava revigorado e fui muito bem em todas as provas. Cumprindo o prometido, somente saía para alguma refeição, o que se deu poucas vezes, porque a comida daquela ¨pensão¨ era espetacular. Fiquei com medo de perguntar porque não haviam outros hóspedes e apenas conversava com a minha anfitriã o essencial.

No dia de partir, a minha Senhoria se despediu gentilmente. Disse que fui ótimo hóspede e muito comportado. Desse modo, foi um prazer ter a minha companhia. Agradeci e fui passando pelos gatos e portas tortas. Cheguei ao final da Rua sentindo já uma certa saudade daquela atmosfera mágica e inusitada. O portão, após uma rajada de vento, se fechou com vigor. Olhei uma última vez e as trepadeiras, como cortinas, foram se fechando. Porém, antes que cobrissem totalmente o portão, vi que, em lugar dos lindos gatos belíssimas mulheres, como pitonisas, se postavam em túnicas gregas transparentes sob cada soleira e foi como se despedissem de mim com um gentil aceno. As trepadeiras se fecharam. Tentei ver através, mas era como se fossem um rígido muro. Ainda bati e tentei forçar, mas foi inútil. Certamente, ao voltar para casa, meu pai me deveria severas satisfações...

 

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